REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL AOS SÓCIOS
A responsabilidade dos sócios da pessoa jurídica numa execução fiscal carece de maiores esclarecimentos. A sujeição passiva tributária se relaciona com a hipótese de o sujeito possuir relação direta com o fato gerador do tributo, ou seja, a condição de o sujeito passivo ser contribuinte ou responsável, nos termos do art. 121 do CTN. A hipótese excepcional de responsabilidade de terceiros está disposta nos arts. 134 e 135 desse mesmo diploma legal.
Assim sendo, para que se cogite de redirecionamento da execução aos sócios da pessoa jurídica contribuinte, é preciso que: a) não sejam encontrados bens da pessoa jurídica; b) haja um pedido expresso da Fazenda Pública; c) tenha havido um procedimento administrativo prévio no qual reste comprovada a ocorrência de uma das hipóteses do art. 135/CTN; d) haja uma decisão judicial deferindo expressamente esse redirecionamento; e e) que seja dada aos sócios a oportunidade de manifestação (contraditório e ampla defesa).
Ocorre que na praxe forense é muito comum que se redirecione a execução fiscal sem que se apure os requisitos supracitados e que se possibilite o exercício do contraditório. O art. 135 do CTN dispõe que são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (…) os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.
A lei prevê, assim, a possibilidade de a responsabilidade tributária da pessoa jurídica recair sobre os seus sócios, desde que estes também sejam os diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica em questão e que o débito cobrado resulte de seus atos dolosos de excesso de poderes, ou infração à lei, contrato ou estatuto social.
Exige-se, pois, que o sócio gerente aja com dolo no exercício de função de gerência para violar a lei, contrato social ou estatuto, ou praticar atos com excesso de poderes, de modo a atingir um resultado antijurídico. Trata-se, portanto, da consagração da responsabilidade subjetiva do sócio gerente da pessoa jurídica contribuinte.
A responsabilidade tributária, assim, não deve incidir pelo simples fato de o terceiro compor o quadro societário do executado principal, mas, apenas, pelo fato de o sócio agir com intuito de fraudar a lei, contrato social ou estatuto no exercício da função de gerência, direção ou representação da sociedade. Os elementos do suporte fático dessa responsabilidade subjetiva devem ser previamente apurados pelo fisco, em procedimento administrativo que assegure ao demandado o direito à ampla defesa e ao contraditório.
A efetiva ocorrência, no mundo natural, de evento fático previsto na hipótese normativa, dá ensejo à incidência da norma primária (subsunção do fato à norma). Acontece que essa incidência não se encontra às escâncaras no mundo dos fatos, não ocorrendo de maneira automática ou infalível.
Vale dizer, não basta a concretização no mundo social do evento previsto na hipótese normativa para nascer o direito subjetivo do fisco. Para que isso ocorra, aquele evento deverá ser vertido em linguagem própria, por ação de um sujeito competente, apta a fazer brotar a relação jurídica prevista no consequente do enunciado normativo e, assim, a correspondente obrigação tributária.
Nesse panorama, a tradução do evento fático em linguagem competente, apta a fazê-lo ingressar no mundo jurídico, acontece por meio de processo administrativo fiscal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, onde se pode apurar a efetiva concreção do suporte fático descrito no enunciado normativo, com todas as suas elementares, e o nascimento da relação jurídica tributária daí decorrente.
O auto de infração é, assim, o instrumento a partir do qual se deve instaurar o processo administrativo fiscal, com garantia de contraditório e ampla defesa, com fito de apurar eventual responsabilidade dos coobrigados, culminando em CDA hígida.
Não se desconhece o entendimento jurisprudencial acerca da presunção de certeza e legitimidade da CDA e da aplicação da inversão do ônus da prova caso o nome do corresponsável encontre-se no referido documento.
Para que tal entendimento seja aplicado, entretanto, é preciso que o processo de inscrição do débito em dívida ativa e a correspondente confecção da CDA tenham ocorrido de maneira hígida, com a observância da legislação de regência. A presunção de certeza de que goza a CDA pressupõe a prévia verificação da responsabilidade através de regular procedimento administrativo, o qual, como se viu, é o responsável pela constituição da obrigação tributária executada.
A mera transcrição do nome do sócio para a CDA sem a instauração de prévio procedimento administrativo para apurar a sua responsabilidade afasta, portanto, a presunção de legalidade e legitimidade de que goza a CDA. Diante desse contexto, caberia à Fazenda o ônus de provar o cometimento, pelo coobrigado, de alguma circunstância autorizadora da sua responsabilidade pessoal. Registrar o nome do sócio de uma pessoa jurídica na Certidão de Dívida Ativa, pelo simples fato de ser sócio, prescindindo do procedimento administrativo prévio para apurar a sua responsabilidade, representa odioso abuso de direito por parte do fisco.
A necessidade de procedimento administrativo fiscal específico para se apurar a responsabilidade dos corresponsáveis justifica-se em função das regras peculiares que disciplinam a sua configuração, distintas daquelas que regulamentam a responsabilidade da pessoa jurídica contribuinte: à luz do art. 135 do CTN, o sócio da pessoa jurídica somente responde pelo débito se era, ao tempo do fato gerador, diretor, gerente ou representante e, ainda assim, se agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, ou seja, se agiu com dolo no exercício de suas funções. Trata-se, portanto, de responsabilidade subjetiva.
DANIEL SALVADOR
8.685 OAB/AL